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– Tenho exatamente o tempo que medeia entre este estalido e a secção do pescoço de Hamida Djandoubi para dar o meu testemunho, para dizer a que vim. Sei que os milionésimos de segundo consumidos para que uma lâmina oblíqua de cerca de 40 kg percorra na vertical a distância de 2,3 metros e atinja esse pobre coitado não parecem ser bastantes a qualquer comunicação… No entanto, se me reservaram o âmbito deste conto é porque não titubearam quanto à sua suficiência. Além do mais, falo na velocidade do pensamento.
– Sendo assim, permitam-me que me apresente: chamo-me Joseph-Ignace Guillotin; era francês e exerci a medicina no século XVIII. O patronímico? Apreenderam bem. Mas poucos sabem que foi graças à sátira que o jornal monarquista Actes des Apôtres fez ao projeto que apresentei à Assembleia Nacional, e que dispunha sobre a democratização da pena de morte, que entrei para a história… – “Esta máquina supliciadora deveria trazer a doce denominação de… guilhotina!”
– Mutatis mutandis, eu e o meia armador Gérson cometemos o mesmo pecado: agimos de boa-fé num mundo em que a má-fé impera. Na realidade, o que me motivou foi a extrema compaixão aos condenados. Considerava que o enforcamento e a decapitação com o machado poderiam causar grandes e desnecessários sofrimentos. Esta, às vezes não cumprindo o seu papel ao primeiro golpe; aquele, por vezes acarretando uma agonia que se protraía por horrendos minutos.
– Seja como for, o fato é que volto neste 10 de setembro de 1977, aqui em Marselha, para rejubilar-me com este átimo que se esvai. Mas, por favor, não mais deturpem o que acabo de dizer… Regozijo-me, sim, com esta data, não só porque poderei amparar essa alma decaída, mas, sobretudo, porque será a última vez que a pena de morte será aplicada na França! Sim, caros leitores, amantes da verdadeira liberdade, a macabra Prece Revolucionária nunca mais será recitada! – “Repleta teu cesto divino com cabeças de tiranos…/Santa Guilhotina, protetora dos patriotas,/Rogai por nós./Santa Guilhotina, calafrio dos aristocratas,/Protejei-nos!”
– Vive la vie! Vive la France!
Dias Campos.
=> Escritor, advogado (PUC/SP, 1992); Especialista em Direito Penal (ESMP/SP); Professor de Direito Penal e Processo Penal (UNIP, fev. 2000 a jul. 2007).
=> Vencedor (Medalha de Ouro) – Primeiro Concurso Literário “Oliveira Caruso”, 2011, Categoria “Poesias”, com Nunca desânimo…
=> Vencedor – Concurso Mundial de Cuento y Poesía Pacifista, 2010, modalidade Conto em Português, com Nunca desânimo…
=> 3º colocado no II Prêmio Araucária de Literatura, 2010, de Campos do Jordão, com o conto A derrama.
=> Romance publicado:
As Vidas do Chanceler de Ferro. Lisboa: Chiado Editora, 2009.
=> Textos literários publicados:
Neste átimo… (microconto publicado na Revista Varal do Brasil (www.varaldobrasil.com), n.12, nov/11, p.34).
Como a ferrugem e a traça (Crônica selecionada no I Prêmio Escriba de Crônicas de 2011).
Um só caminho (Soneto – Livro Diário do Escritor 2010, Litteris, 2009).
Valeu a pena, (In, ENTRELINHAS – Antologia de contos e microcontos, Andross, 2008).
Caso Diniz, um protesto (Soneto – Revista da APMP, n. 18, mai. 1998).
O cortejo (Conto – Notícias Forenses, n. 161, nov. 1997).
=> Autor de Direito penal e justiça militares: inabaláveis princípios e fins. Curitiba: Juruá, 2001.
=> Co-autor de Lamentáveis “elipses jurídicas”. In: CORRÊA, Getúlio (org.). Direito militar – história e doutrina – artigos inéditos. Florianópolis: Associação dos Magistrados das Justiças Militares Estaduais – AMAJME, p.49-64, 2002.
=> Autor de diversos textos jurídicos.